Os efeitos da negligência na análise preliminar de riscos e no plano de atendimento a emergências
Por: Borsa - 07 de Setembro de 2024
Muito tem se falado sobre as trágicas consequências do rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho, que majoritariamente estão ligadas a uma análise de riscos superficial ou à negligência da existência dos riscos identificados. É provável que o número total de vítimas ultrapasse 300 pessoas, sendo a maioria de trabalhadores ou funcionários terceirizados da mina. Portanto, essa tragédia se converterá no maior acidente do trabalho da história do Brasil, superando o desabamento de um galpão em Belo Horizonte no início da década de 70, que teve 69 vítimas.
Como seria possível evitar tantas mortes? Evidentemente, a prevenção ou eliminação dos riscos identificados para o cenário de rompimento de uma ou mais barragens poderia ter evitado, se não todas, a maioria das fatalidades, mas um plano de atendimento a emergências bem executado também poderia garantir a vida de muitos. Vejamos um exemplo: se as sirenes de emergência instaladas nas comunidades que estavam na linha de ação do rejeito após um possível rompimento de barragem tivessem soado, as pessoas teriam tido mais tempo para se abrigarem em um local seguro. Obviamente, as rotas de fuga deveriam ser pré-estabelecidas e as pessoas treinadas periodicamente, mas isso também é uma atividade a ser contemplada em um plano de atendimento a emergências.
Em locais sujeitos à ação de tsunamis, como o Chile e o Japão, por exemplo, as comunidades são treinadas pelas autoridades competentes no abandono de locais próximos ao mar pelo menos uma vez ao ano, de forma que, na eventualidade da ocorrência de uma emergência dessa natureza, as pessoas tenham ciência sobre o que fazer e quais são os locais seguros para se abrigarem. Empresas, não só do ramo da mineração, mas de todos os segmentos cujas instalações oferecem risco às comunidades no seu entorno, devem prover meios de comunicação e treinamento adequados para mitigar os efeitos que um eventual incidente tenha sobre as pessoas, o meio ambiente e as instalações.
Analisando o fato de o refeitório da Mina Corrégo do Feijão estar na linha de ação do rejeito em um possível rompimento da barragem, também é possível identificar tanto falhas de análise de risco, quanto uma possível falha de aplicação do plano de atendimento a emergências. Falha de análise de risco porque uma vez identificado o potencial de dano humano caso houvesse o rompimento de uma ou mais barragens e que o refeitório estava na linha de ação da lama, o mesmo deveria ter sido movido do local, caso já estivesse lá antes da construção da barragem, ou jamais ter sido construído naquele local, caso sua construção tenha sido posterior à construção da barragem.
A identificação e análise de cenários de risco de acidentes graves e, consequentemente, a elaboração de um plano de atendimento a emergências deve ser feita por uma equipe multidisciplinar e oficializada para a gestão das empresas. Existem inúmeras técnicas de análise de cenários catastróficos, a grande maioria originadas na indústria de óleo e gás após grandes acidentes, como What If, HAZOP, FMEA, APR, AQR, SIL, Bow Tie, Árvore de Falhas, entre outras, e de teorias sobre a ocorrência de falhas de segurança, como a Teoria do Queijo Suíço de James Reason (1997). Todas elas podem ser aplicadas em qualquer segmento para analisar as causas e efeitos da realização de um cenário de acidente catastrófico.
Infelizmente, a tragédia ocorrida em 2015 em Mariana não surtiu os efeitos necessários para que a vida e a segurança das pessoas e do meio ambiente fossem preservadas. Talvez agora, com centenas de vítimas e mais danos gravíssimos ao meio ambiente, as empresas, o poder público e a própria população venham a se conscientizar da importância tanto da prevenção aos riscos de acidentes graves quanto da reação rápida para salvar o maior número possível de vítimas.