Erudição Geológica – O Nó Górdio chamado “Rio Guaíba”
Por: Borsa - 07 de Setembro de 2024
Saiba Mais Erudição Geológica - O Nó Górdio chamado “Rio Guaíba”
O Guaibão é o que é, a natureza não cria definições semânticas, bastas ser e lá está. Mas nós cientistas definimos rio e lago de maneira bastante distinta. Correntes distintas na ciência acham suporte para o Guaíba ser tanto rio como lago. E agora?
Quem acredita que o Guaíba é rio diz que a hidrodinâmica do Guaíba é como a da maioria dos rios do mundo. Tem uma vazão média de 1000 m3 por segundo(não é como o poderoso Rio São Francisco com seus quase 3000m3 por segundo), carrega toneladas de sedimento pelo seu fundo e os despeja na Lagoa dos Patos, e, pasmem, renova toda sua água em apenas 9 dias. Com esses argumentos fica difícil jogar contra.
Já o #Team_Lago_Guaíba acredita que a fisiografia do ambiente, com formação do Delta do Jacuí, que nos brinda com as belezas cénicas das ilhas do Guaíba, caracteriza-o como um corpo dágua de menor energia. A geometria de suas praias e depósitos sedimentares, bem como a vegetação que ali se forma, são características de lagos.
Vejamos que na disputa Hidrodinâmica VS Fisiografia, ambas têm argumentos válidos. Mas há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia.
A definição de lago ou rio abrange também a questão de preservação das margens e ecossistemas que o Guaíba ajudou a gerar. O Código Florestal Brasileiro, regramento que definiu as áreas de Proteção Permanente (APPs), define espaçamentos diferentes para a proteção das margens de rios e lagos.
Para lagos o Código Florestal definiu:
II – As áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a - 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo dágua com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b - 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
Não há dúvida de que grande parte do Guaíba está dentro das áreas urbanas dos municípios de Porto Alegre, Eldorado do Sul e Guaíba. Logo, a zona rural de Porto Alegre, Guaíba e Viamão tem áreas de preservação de 100 metros. O que se percebe aqui é que o Código Florestal não define o nível da água, e todos sabemos como o Guaíba pode variar muito o seu nível. Lembrem-se dos períodos de secas que atinge os porto-alegrenses, e do gosto da nossa água encanada.
Já para rios o Código Florestal definiu:
I – as faixas marginais de qualquer curso dágua natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
a - 30 (trinta) metros, para os cursos dágua de menos de 10 (dez) metros de largura;
b - 50 (cinquenta) metros, para os cursos dágua que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c - 100 (cem) metros, para os cursos dágua que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d - 200 (duzentos) metros, para os cursos dágua que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e - 500 (quinhentos) metros, para os cursos dágua que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
Se o Guaíba é rio vemos que, ao longo de toda margem, deve existir uma zona de 500 metros de proteção permanente, independente de área urbana ou rural. Para exemplificar bem esta questão a distância entre as margens do Guaíba chega a 6 km!!!
Se o Guaíba é rio vemos que, ao longo de toda margem, deve existir uma zona de 500 metros de proteção permanente, independente de área urbana ou rural. Para exemplificar bem esta questão a distância entre as margens do Guaíba chega a 6 km!!!
Longe de querer operar ou questionar o direito, este artigo quer entender o que é o Guaíba. Entendendo se lago ou rio, podemos planejar o futuro do Guaíba e como melhor aproveita-lo. Quem não gostaria de ver um Guaíba despoluído, com praias e possibilidades de aproveitar o ângulo que menos estamos acostumados a ver Porto Alegre?
Para podermos recuperar, preservar e aproveitar o Guaíba é preciso que a população queira ocupa-lo. Já são comuns os movimentos de recuperação e ocupação de praças e espaços públicos em Porto Alegre. Agora é a vez do Guaíba.
Além da população ocupar o Guaíba é preciso entender que estas medidas só são possíveis com opções de lazer, cultura e turismo. Sobram ilhas, praias e atividades náuticas para o Guaíba. O que falta são iniciativas de negócio que pautem a recuperação e preservação do ambiente do nosso Guaíba. E para que tais iniciativas possam existir, o poder público precisa entender que nem sempre estabelecer uma área de APP e proibir a intervenção é a melhor alternativa.
Exemplos de cidades que aproveitam seus rios e lagos de maneira sustentável não faltam. O famoso navegador brasileiro Amyr Klink já afirmou que Porto Alegre tem área para 10 Palma de Mallorca (cidade portuária espanhola que fatura 25 bilhões por ano com aluguel de barcos). Não que precisemos de tudo isso. Imaginem o Pôr-do-sol na nova Orla do Guaíba com possibilidade de um belo banho? Sem falar nas inúmeras alternativas de esporte e lazer como canoagem, SUP, wakeboard. Um bom exemplo do nosso descaso com o Guaíba é a Ilha da Casa da Pólvora. Esta ilha está bem diante do Cais Mauá e já abrigou até um museu. Hoje sofre com o abandono, acúmulo de lixo e descaso. O debate Rio vs Lago é só o pano de fundo para um problema muito maior. Uma cidade com o potencial de Porto Alegre insiste em não abrir os olhos para o que pode ser uma solução para muitos problemas. Já que desatar o Nó Górdio do Guaíba é mais difícil proponho um primeiro passo. Que passamos a chamar o nosso amado Guaíba de Lago-Rio Guaíba.